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Crônicas de Bebês em Presença: GUTO III

INSUFICIÊNCIA E AMOR

Vocês já conhecem o Guto, o menininho que precisa aprender andar, segundo a mãe. Como relatei na “Crônica Guto I”, o Guto e eu estamos fazendo amizade, e o processo de desenvolvimento do menininho já está ativado. Seguimos com sessões semanais, e tanto nossa amizade como os aprendizados neuromotores estão indo muito bem. Ele chegou até mim com 11 meses e sem engatinhar, sem sentar sozinho, sem rolar com agilidade, muito assustado, corpo duro e sem profundidade; olhar que vigia o ambiente e as pessoas; choro constante diante das minhas tentativas de interação.

Naquele momento, optei por acompanhar o caso sem assustar mais o menininho, ajudando a gerar um ambiente acolhedor, sem invadir o território corporal da criança. Estava esperando, de modo ativo, a instalação de um ambiente seguro para promover experiências possíveis de serem vividas por ele. Claro que entendo a importância de garantir que o Guto se desenvolva nas ações próprias da sua idade, mas, quando aceleramos um aprendizado, atropelamos, com frequência, o bebê. Esse menininho está vivendo situações de insuficiência. Começou na gestação: foi uma gravidez indesejada e recebida com susto pela mãe. Depois, o nascimento foi acompanhado de uma doença. Finalmente, os cuidadores amam um certo menino, mas não conseguem enxergar o Guto. O filho está deixando a desejar, não segue o desenvolvimento normal e chama a atenção das pessoas para um problema, questionando a qualidade de mãe da mãe. Situações frequentes nas quais ele é insuficiente. Guto tem 1 ano e 5 meses, já pode ficar comigo sem a presença da mãe; estamos nos dando muito bem. Podemos rir e brincar. Posso abraçar, oferecer comida, massagear o menininho. Que delícia! Vocês podem entender o amor que rola nas sessões?! Todas as ações anteriormente contidas do meu corpo e dos meus olhares, agora fluem. Nossos olhares são falantes! Entendo o Guto e ele me entende. Ali, comigo, ele não é mais insuficiente. Neste dia, Guto chega chorando. A mãe diz que ele está chorão e agarrado a ela. De fato, lá está o Guto agarrado nas pernas da mãe, em pé, joelhos hiperextendidos, chorando e olhando para mim. Ela, na ação e na expressão, o está empurrando. O olhar dele para mim é um pedido de ajuda!

Começo a minha investigação com a mãe. Guto está muito bem: engatinha, senta, levanta, come, dorme, sorri, interage, porém, na fala da mãe aparece o velho pedido, o Guto tem que andar. Facilmente identifico a ação que gera o problema, a família está “exercitando” a insuficiência do menininho. De que modo? Estão colocando o Guto em pé em um canto e estimulando que ele venha andando até eles. Fico assustada, não consigo estabelecer um olhar mais cuidadoso em relação ao tempo para o desenvolvimento do menininho. Acho que me sinto um pouco como ele, com medo. Um ambiente cercado de amor pode, muitas vezes, gerar muito sofrimento. Me sinto, também, insuficiente, não estou conseguindo fazer o que eu devo fazer. Vou conversando com a mãe em seu corpo duro e esticado. Vou lembrando como ele chegou e como está agora, apontando as tantas melhoras. Ela vai concordando e pode chorar comigo. Sente muita pressão. Tento estabelecer um diálogo entre partes do próprio corpo da mãe. Vamos reconhecendo o pescoço duro, o peito inflado, as costas retas. Enquanto ela vai se percebendo, o choro aparece liberando certa pressão. Ela vai se soltando e, simultaneamente, o Guto vai se soltando dela. O olhar do menino suaviza, os joelhos que estavam duros e esticados se soltam, os braços que agarravam a mãe seguem para um brinquedo, ele sorri. Seus olhos estão sorrindo, posso enxergar o seu corpo mais livre.

O que fazer com o que estou enxergando? Como interferir mais na família? Como fazer com que eles olhem e enxerguem a exigência que atravanca o desenvolvimento e faz sofrer? Guto está indo bem, mesmo assim, ainda deve! Ai a insuficiência, desespero de quem ama.

Digo para mim mesma, calma, estamos todos fazendo o melhor possível! Denise De Castro

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