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Crônicas de Bebês em Presença: GUTO II


FINA LINHA ENTRE CUIDAR E INVADIR

Quando sou procurada por pais com seu bebê, em busca da minha ajuda, inicialmente tenho o cuidado de manter determinada distância entre um atendimento e outro. Desse modo, pretendo dar um tempo para instalar uma linguagem nova e, quem sabe, promover certa intimidade do casal com o bebê, do bebê com a mamãe, do papai com o bebê, do papai com a mamãe, e da mulher com o marido. É uma intimidade familiar que a minha presença frequente, muito intensa no início, pode atrapalhar um pouco. Explico: acredito que a aproximação do corpo do bebê pode passar pela aproximação dos próprios corpos dos pais, e, nesse sentido, muitas orientações podem surgir nesse ambiente mais íntimo. Ambiente que pode ser constrangido diante de uma autoridade, real ou imaginária. Assim, estimulo que fiquem um pouco entre eles, e, caso seja necessário, vou aproximando uma sessão da outra, e me aproximando da família. No caso do Guto, sentimos, a mãe e eu, necessidade de uma intervenção mais constante. Vocês já conhecem o Guto, o menininho que precisa da minha ajuda para andar, segundo a preocupação da mãe. Até então, estávamos sustentando sessões que aconteciam 1 vez por mês durante os 4 últimos meses. Nesse período, ensino a mãe como enrolar o corpo do bebê, como aproximar a bacia da cabeça, sempre usando uma boneca. Insisto em não colocar o menininho em pé, afirmando a necessidade em desacelerar as exigências para não atropelar o desenvolvimento do Guto. O processo de desenvolvimento já está ativado. Passamos a sessões semanais e, inicialmente, meu trabalho direto com o Guto se restringe aos olhos e ao olhar. Estabeleço um limite para o trânsito do meu corpo e do meu olhar. Ele me olha e, dependendo de como olha, eu desvio os olhos, permanecendo em silêncio. Não somos amigos, pois eu ainda ofereço risco. É importante salientar que eu me mantenho na relação quando desvio o olhar. Desviar o olhar, nesse momento, é me conectar com ele respeitando os limites da experiência que o corpo dele pode absorver por ora. Além disso, uso outros sentidos para me conectar, sinto o olhar dele em mim e só quando ele pode deixar de me olhar é que olho para ele. Quando ele pode deixar de me olhar entendo que sua sensação de risco diminuiu. Ofereço brinquedos que dou para a mãe, que dá para ele. Afasto-me, fisicamente, quando ele me olha assustado. Quando olho para ele, e parece possível, sustento o olhar no tempo que ele sustenta. São ações pequenas para o universo adulto, mas, para um bebê assustado, é muito tranquilizador.

Não estou “largando” o Guto, estou interagindo com ele a partir daquilo que ele sustenta. A diferença pode ser grande entre abandonar e afastar-se. E, da mesma forma, existe uma fina linha que separa cuidar e invadir. Ao nos aproximarmos de um bebê, devemos saber que as ações dirigidas para o cuidado podem estar muito perto de invadir! Assim, ao longo desses meses, ele já pode brincar e já pega brinquedos da minha mão. Seu corpo, que apresentava uma frente larga e um perfil fino, já apresenta mudanças. A cabeça do Guto está mais redonda, com mais profundidade; a vista frontal do seu corpo afinou e alongou; visto de perfil apresenta um corpo mais largo. Estamos indo bem. Simultaneamente, vou indicando esses cuidados e transformações da forma corporal para a mãe. Ela percebe e se anima, porém, continua querendo saber quais são as ações que devem ser feitas para que a criança se desenvolva de modo a ficar igual às outras crianças. Sua decisão a respeito da frequência das sessões difere da minha; quero me aproximar e interagir com a criança e ela quer que o filho aprenda a andar. Quero saber do pai, o que ele acha do desenvolvimento da criança. Ela diz que ele concorda que o Guto tem que andar, mas logo segue para outros assuntos. Não reconheço a presença do pai, e isso é tão forte no ambiente que, de fato, esqueço da participação de um pai. Onde está o pai? Já a mãe tem uma figura marcante. Tem um corpo fino, magro, reto, firme. Faz pilates, ginástica localizada, trabalha na empresa do pai. Tem uma relação próxima com a família de origem que mora no interior de São Paulo. A única vez que trouxe alguém da família na terapia foi a mãe/avó. Outra mulher parecida com a mãe do Guto. Percebo que as exigências de resultados continuam e insisto que devem desacelerar e esperar o tempo da criança. Reafirmo os ganhos diante da transformação da forma corporal e reconhecemos, juntas, como a criança está mais sociável com os adultos e as crianças com os quais ele se relaciona com mais frequência.

Também, apresenta melhores condições para o rolamento e para a posição sentada. Havia estimulado o uso da caixa de papelão para colocar a criança sentada. Uma caixa do tamanho do menino, dentro da qual ele possa estar contido e exercendo, ao mesmo tempo, a posição sentada.

A mãe faz tudo que está ao seu alcance para ajudar no desenvolvimento do filho. Parece-me que, sempre, em busca de “bons” resultados. A busca constante de resultados me preocupa!

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